quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Sou uma sortuda, definitivamente. E garanto que minha genética não é uma coisa que me favoreça em nenhum dos que acho significativos traços da minha personalidade.
Essa é uma história real.
Rezam as lendas que uma tia minha, mulher pomposa, sempre se ostentando mais do que poderia _ recordo-me de um cachorro dálmata de cerâmica medindo mais de um metro na casa dela, em meio a odores do velho e antiquado, que certamente se referia também a estrutura que ela aplicava a ela e à família_, que sempre se achou muito superior aos outros. Claro, a noção dela de superioridade era simples, afinal ela subia cada vez mais seu status pessoal conforme pisasse nas cabeças dos reles mortais que a cercavam. E, como na maioria dos casos, pessoas pisoteadas ficam ali, pra seguirem de escada... finalmente passam a ter uma função na vida, não?
Os filhos dela eram sempre os melhores, mais bonitos e mais educados; suas roupas eram as mais bonitas, suas comidas as mais saborosas. Seus cães eram os mais encantadores e educados. A única forma correta de se fazer as coisas era a forma dela. E ela tinha três filhos. Nenhum que tenha nunca me passado de forma a notar a existência, nem por serem tão bonitos, nem tão inteligentes... mas quem sou eu, perante tamanha soberania, pra opinar sobre entes tão ilustres...
Eis que seu primogênito saiu um pouco da rotina. Foi a alguns passeios de colégio, conheceu algumas pessoas, virou um adolescente beirando a normalidade... talvez até demais.
Num de seus deslumbrantes jantares aos membros do Lions Club, sua linda filha vestida como um repolho de cetim, seus filhos engravatado como uma criança anormal que usa as roupas sérias das lojas do Iguatemi. Ela de longo, seu marido num belo smoking que ela deve estar a apagar até hoje.
Eis que seu primogênito resolve mostrar-se. Creio que deva ter sido como debutar em meio a nata da sociedade... imaginem só, Lions Club! Que diabos é ou faz o Lions Club??? Isso não sei, mas com certeza é muito importante. Nem que seja pro Gasparotto!
Pois que nosso herói, tomado de uma artimanha sem precedentes e notando condições propícias, inicialmente, coloca um cocô de borracha sob a mesa, mas num lugar em que os convidados focassem-se caso olhassem. O resultado de tal traquitana foi uma agitação entre minha tia e seus serviçais, para limpar tal adorno de forma a não mostrar o feito de, até então, seu doce e perfeito cãozinho.
Não satisfeito, creio eu, o rapaz não toma nenhuma atitude para não delatar-se. Mas eis que surge a hora do jantar. E o jantar é o grande momento de mostrar suas prendas e educação. Não teve jeito. O moçoilo pôs-se a servir-se de carnes e mais carnes, pegando de quatro a cinco bifes, duas coxas de frango, fora outras iguarias apetitosas que circulavam na mesa. Baixou a cabeça e não conseguia mastigar os nacos que ele colocava, um a um, em sua boca, ora respingando um pouco de gordura, ora tirando as felpas de carne do entredentes com a língua ou alguma sucção. O chacoalhar de líquidos dava o retoque final à cena, que ou era uma ironia das piores, ou o momento mais dantesco para um semi principe mostrar sua verdadeira face.
O mais irônico aos que apreciaram tal cena é que o rapaz agia com uma naturalidade´única, não como se fosse alguma vingancinha para com sua mãe, ou uma vontade exorbitante de chamar a atenção. Mas quando tinha apenas mais um bife na travessa de prata que ornava a mesa, e um convidado foi postar-se a pegar tal naco, ouve-se apenas a até hoje conhecida frase que ilustra muitas ceias da Família Freitas: "Pára que eu posso querer mais!".
E a moral desta linda história é apenas uma, sem tirar nem por: "Será mesmo, realmente, amarelo o sol e azul o céu? Por que não será lilás, vermelho, ou quem sabe seja apenas som?"